O mercado de auditoria é conhecido por ser bem fechado para os novos entrantes, utilizando-se um termo de Michael Porter. Entretanto, torna-se bem generoso com quem consegue penetrar esta barreira inicial, pois é carente de mão de obra não só qualificada, mas disponível – e – principalmente – ética e emocionalmente confiável.

Veja, não estamos afirmando que a maioria dos auditores no mercado carece de ética ou controle emocional. Pelo contrário. Mas estamos afirmando que o mercado naturalmente seleciona para atuar na prática não apenas aqueles que dominam a parte técnica, mas também – e isto é muito valorizado – a parte comportamental e ética.

Não existe um “treinamento” onde a pessoa receba uma carga teórica, faça um estágio e saia mais ética.

A questão é que o fator de relacionamento interpessoal pode ser sim desenvolvido, mas tem uma forte carga ligada à formação da personalidade, da história de vida pessoal. Assim também o é a questão da ética. Por mais que se debata ética e moral, estes são atributos ligados ao caráter, à formação do indivíduo, às suas experiências e relações familiares e sociais.

Não existe um “treinamento” onde a pessoa receba uma carga teórica, faça um estágio e saia mais ética. É toda uma história de vida e experiências. Por isso a dificuldade e o cuidado na seleção de auditores.

Em auditoria, credibilidade e reputação são o nosso maior patrimônio.

Além disso, o tema, por ser pouco debatido, ainda gera muita dúvida, e as pessoas têm dificuldades em enxergar os limites entre o “ilegal, o imoral e o antiético”, por assim dizer. Talvez para este tipo de percepção os debates e os treinamentos tenham um efeito prático real.

Some-se a isto o fato de que, para conquistar uma imagem e reputação confiáveis levam-se anos, mas para perdê-los bastam algumas ações erradas e alguns minutos. O mercado é cruel neste requisito e não costuma esquecer e nem dar segundas chances. Em auditoria, credibilidade e reputação são o nosso maior patrimônio. Preserve-os com todo o cuidado!

Código de ética para auditores

Existem códigos de ética para auditores, se o auditor for um auditor certificado por uma entidade de registro de auditores como, por exemplo, o RAC/ABENDI (Registro de Auditores Certificados), o Organismo de Certificação de Pessoas Acreditado Pela CGCRE do INMETRO, no Brasil, seu similar que teve origem nos Estados Unidos, o Exemplar Global ou seu similar que teve origem na Inglaterra, o IRCA.

Estes códigos de ética não costumam ser muito diferentes e podem ser facilmente acessados nos web sites destas entidades. O objetivo aqui não é elencar um código de ética com frases padrão, mas sim abordar algumas situações da realidade de auditorias que devem ser tema de constante vigilância por parte do auditor, além dos temas dos códigos de ética.

  • Confidencialidade:

A premissa básica da auditoria. O auditor, para ter acesso às informações da organização auditada e fazer o seu trabalho, acessará dados sensíveis, e obviamente a organização não permitiria este acesso se não tivesse uma garantia da proteção destas informações.

Então em toda auditoria há um termo de confidencialidade a ser assinado em que o auditor garante que não fará nenhum uso destas informações diferente da aplicação para a auditoria e que não distribuirá ou revelará as informações a que teve acesso e protegerá os dados.

Lembrando que confidencialidade é um dos princípios de auditoria da ISO 19011. Um auditor em que não se confia a confidencialidade nunca mais conseguirá trabalhar em empresa nenhuma. Portanto, quebrar esta premissa é praticamente ser condenado a mudar de profissão.

  • Cartões de visitas:

Temos aqui um tema sensível, e que muitas pessoas não entendem. A maioria das certificadoras utiliza auditores independentes, ou seja, pessoas jurídicas, auditores que não são seus funcionários, e, muitas vezes, também não são exclusivos.

Muitos deles também desenvolvem outras atividades, como consultorias e treinamentos. Portanto, a regra é nunca entregar cartões de visita, mesmo que da própria certificadora, durante a auditoria. O contato deve ser feito sempre via certificadora, se for uma auditoria de 3ª parte. Ou via cliente, se for uma auditoria de 2ª parte. Isto mantém o profissionalismo, gera o fluxo formal da comunicação e evita qualquer mal-entendido.

Claro que entregar um cartão de visita que não seja da organização que você está representando (como, por exemplo, de sua consultoria) está absolutamente fora de cogitação, é um erro mortal de falta de ética.

  • Consultoria:

Sob hipótese alguma aceitar pedidos de oferecer proposta de treinamento ou consultoria durante ou após uma auditoria para a mesma empresa. Isto é muito comum, após um bom trabalho. A empatia gerada, a admiração pelo seu conhecimento técnico demonstrado pode fazer com que o auditado queira (muitas vezes sem maldade, até por desconhecimento) ter mais contato com você em outros serviços.

Mas se você atuou como auditor, esta auditoria não pode ser utilizada como alavanca para obter vantagens pessoais ou gerar novos negócios diferentes da auditoria, como um treinamento ou consultoria.

  • Política de brindes e vantagens:

Outro tema em que as pessoas sentem dificuldade de perceber os limites entre o razoável e o absurdo, embora não seja difícil. A dica é simples: se o brinde ofertado é um brinde corporativo, daqueles que a empresa distribui massivamente, como um bloco, uma caneta plástica, sem distinção, não há problemas.

Porém, um presente personalizado, algo que não seja institucional, como uma caneta Montblanc original, obviamente não é adequado. Certa vez fui fazer auditoria nos Estados Unidos e aproveitei a viagem para, ao final da auditoria, estender por mais alguns dias a passeio. Apenas solicitei à empresa que marcasse a minha passagem de volta alguns dias depois (o que, por sinal, fez com que a passagem até ficasse mais barata).

Agora imagine se neste caso a empresa se oferecesse para pagar as diárias a mais do hotel e a alimentação como “cortesia”. Obviamente não poderia aceitar de jeito nenhum, pois configuraria claramente uma vantagem indevida.

  • Regras de almoço e reembolso:

Antes da auditoria estude o contrato, o que foi convencionado, quem pagará o quê. Há contratos em que o auditor paga o almoço e pega a nota para reembolso. Há contratos em que é convencionado que o auditado paga diretamente o almoço na hora. Siga rigorosamente o que o contrato estabeleceu.

  • Ao escolher a refeição, com o cliente pagando (se o contrato convencionou que o cliente pagará o almoço):

Muitos acabam agindo de forma “deslumbrada” e pedindo os itens mais caros do cardápio, normalmente fora do normal do dia a dia. Siga sempre a regra simples: escolha o prato como se fosse você a pagar. Desta forma, agirá naturalmente, não ficará pesado para o cliente e não gerará desconforto para nenhuma parte.

E para finalizar este tema: em hipótese alguma bebida alcoólica no almoço. Mesmo que o auditado esteja bebendo e ofereça. Agradeça e recuse. Se ele insistir, dê uma desculpa, diga que está tomando remédio, enfim, mas não beba.

  • Jantares após o expediente:

Em certas ocasiões, o auditado pode oferecer um jantar após o expediente para a equipe auditora. Esta situação deve ser avaliada com muito bom senso e diplomacia. Um convite individual, excluindo os outros membros da equipe, não é adequado e deve ser evitado.

Uma auditoria de cinco dias onde em todos os dias a equipe sai para jantar com o auditado também pode ser um exagero, a menos que se esteja em um local remoto de difícil acesso a refeições. Mas, como dissemos, o bom senso deve prevalecer.

Em uma auditoria de uma semana, no penúltimo dia o auditado, com o intuito de confraternizar, convida toda a equipe para um jantar. Bem, a princípio, não há problemas. De todo modo, deve-se, durante o jantar, evitar temas polêmicos ou duvidosos.

Lembre-se, apesar de fora do horário de trabalho, você ainda está sendo observado como auditor e tudo o que faz e diz é meticulosamente avaliado.

  • Exigências descabidas:

Nos dias atuais isto está diminuindo, mas ainda temos os famosos auditores “pop star”, aqueles que, para fazer uma auditoria, se comportam como verdadeiros astros do rock em uma apresentação com exigências de camarim: só voam por uma única companhia aérea, só se hospedam em uma bandeira de hotel, só comem um tipo de comida, etc.

Conheço muita gente que, em viagem, exige condições muito melhores do que tem na própria casa. Por óbvio, descabido.

  • Frigobar:

Este é um item do qual quase tenho vergonha de escrever, mas infelizmente é mais comum do que se imagina. Já tivemos muitos problemas com consultores e auditores que, ao ter a diária e extras faturados, simplesmente “esvaziaram” o frigobar e todos os itens complementares.

Houve não um, mas alguns casos de consultores/auditores que abriram a mala e estocaram os produtos (chocolates, barras de cereais, chicletes, batatas chips), todos os dias, em uma estadia de uma semana. Ao preço de itens de frigobar, imaginem quanto deu esta conta! Óbvio também que não foi difícil de concluir que o sujeito não consumiu diariamente tudo aquilo todos os dias!

  • Ameaças à imparcialidade:

Se ocorrer alguma ameaça à imparcialidade, simplesmente não aceite o convite para a auditoria. Se não perceber a ameaça antes da auditoria e esta só se apresentar durante a auditoria, comunique imediatamente o cliente da auditoria e o auditado para que, juntos, e de forma transparente, seja tomada uma decisão.

A norma ABNT NBR ISO/IEC 17021-1:2016 elenca quatro modalidades de ameaças à imparcialidade:

“1 -Interesse próprio: ameaças que surgem de uma pessoa ou organismo que atua em seu próprio interesse. O interesse financeiro próprio representa uma ameaça suscetível de comprometer a imparcialidade de uma certificação.

2 – Auto avaliação: ameaças que surgem de uma pessoa ou organismo que avalia o seu próprio trabalho. A auditoria dos sistemas de gestão de um cliente para o qual o organismo de certificação forneceu consultoria sobre sistemas de gestão seria uma ameaça deste tipo.

3- Familiaridade (ou confiança): ameaças que surgem de uma pessoa ou organismo que, por ser muito familiar ou confiante em outra pessoa, não procura evidências de auditoria.

4 – Intimidação: ameaças que surgem de uma pessoa ou organismo ao perceber que está sendo coagido em público ou discretamente, como, por exemplo, uma ameaça de ser substituído ou denunciado a um supervisor.”

Por fim, uma regra geral que costuma funcionar para evitar desvios éticos na maior parte das situações: ética é muito ligada a transparência. Normalmente, os conflitos de ética se dão por expectativas frustradas, ruídos de comunicação ou alguma ação ou omissão que não foram devidamente comunicadas, com ou sem intenção real.

Portanto, a melhor prevenção é a TRANSPARÊNCIA somada à ANTECEDÊNCIA. Isto mesmo: na dúvida, comunique, consulte, e faça isto antes de iniciar a auditoria.

Artigo originalmente publicado no Linkedin por Marcello Couto: “Ética para Auditores